Rush 30: 16 anos depois

2020 não está sendo fácil. O ano já começou triste, quando um dos maiores bateristas da história do rock mundial nos deixou. Neil Peart, integrante do power trio Rush enfim descansou no início de janeiro, vítima de um câncer que tratava nos últimos 3 anos.

Neil Peart era um dos meus maiores ídolos, que ostento com orgulho poder ter visto ao vivo, sua performance no show que a banda fez em 2012, no estádio do Morumbi, em São Paulo.

Minha história com a banda não é muito antiga. Além da famosa música Tom Sawyer, da abertura do seriado Profissão Perigo, dos anos 80, eu não conhecia praticamente nada deles. Até que uma das pessoas mais incríveis que conheci, meu amigo Thiago, me apresentou a banda. E aí foi paixão à primeira ouvida! Era inicio da década 2000 e eu vivia em lojas e sebos de discos procurando os CD’s da banda para montar minha coleção.  Quase completei, faltaram uns dois discos.

Além das músicas, me encantava as artes das capas. Trabalho incrível do designer Hugh Syme, que fez todas as capas da banda e me inspirou muito nos meus trabalhos como designer gráfico.

Eu estava quase me formando no curso de Desenho Industrial e fazia estágio em um jornal. Lá consegui criar uma seção de cultura, onde poderia falar de música, rock e Rush. Fiz várias publicações das bandas que eu mais curtia e é claro que não faltou do Rush.

E foi essa paixão que me motivou a concluir minha especialização em Design de Embalagens. Eu havia engatado uma pós-graduação logo após a formatura em Design e não estava gostando muito da grade do novo curso de embalagens. Chegaram as férias de julho e eu pensava em não voltar. Foi então que decidi que para continuar o curso, faria algo diferente, que me inspirasse. E comecei a pensar no projeto de conclusão do curso.

Eu sempre fui obcecado pelas embalagens de discos. Vivia nas extintas lojas de CD’s, garimpando e procurando as edições mais especiais dos artistas que eu admirava. Foi aí que comecei minha coleção do Pearl Jam, que lançou quase todos os seus discos em embalagens de papel. Mas este post é sobre o Rush…

Eu conhecia toda a história do Rush. Sabia dos discos, a sistemática dos lançamentos (4 discos de estúdio = 1 disco ao vivo, finalizando um ciclo). Naquele ano, 2004, a banda estava completando 30 anos. Era perfeito. Pensei em criar a embalagem de uma coletânea dos 30 anos da banda com um resumo, sob minha curadoria, das melhores músicas do trio.

Meu projeto não era apenas sobre embalar. Eu queria que as pessoas pudessem entender um pouco dos conceitos das fases e músicas da banda, que me interessavam. Queria que pudessem ter contato com tudo isso antes mesmo de ouvir os discos, apenas manuseando as embalagens dos CD’s.

Então criei uma caixa com 5 discos. Quatro deles representando cada uma das fases da banda e um disco ao vivo. Em cada embalagem utilizei materiais e formatos diferentes, baseados no conteúdo musical dos discos.  Vamos conhecer cada uma das embalagens:

Embalagem Caixa

A embalagem foi feita exatamente para conter os 5 discos. Produzida em papel Kraft, a caixa tem como diferencial,  não ser colada. Ela mantém sua forma sustentada somente por encaixes nas laterais. A ideia é que estando desmontada, a embalagem sirva como um cartaz mostrando toda a discografia da banda.

Detalhe dos encaixes laterais, sem cola.
Embalagem desmontada, formando o cartaz com a discografia completa da banda.
Os 5 discos da coleção, cada um com materiais e formatos diferenciados, baseados no conteúdo musical.

Disco I – Baggage – 1974/1976

O primeiro disco é um reflexo da fase inicial da banda, com um som mais cru, dando o tom da carreira que se iniciava. Para isso, utilizei o papel Kraft, por se tratar de um material mais rústico e o encarte em tecido de algodão cru. Também a impressão foi feita utilizando somente uma cor, reforçando a ideia de fase inicial, mais simples e rústica. O disco vem dentro de um bolso no próprio encarte em tecido, que é dobrado envolvendo o CD.

Disco II – The Hard Glass – 1977/1981

Nessa fase a banda está com um som bem experimental, com músicas longas, envolvidas em uma atmosfera, densa, pesada e fria. Tentei passar essas sensações utilizando materiais pesados e frios, como o vidro e o metal. A embalagem externa foi feita em papel, para que o mecanismo de dobra funcionasse corretamente. Segurando a caixa pelas extremidades inferiores, a parte externa desliza, revelando os discos. Usei papel laminado dando a ideia de metal e uma textura na capa com referência ao aspecto frio.

A ideia dos recortes irregulares foi uma referência ao sentimento que os integrantes diziam ter nessa fase, descritos como se fossem cacos de vidro entrando em seus corpos.

O “encarte” deste CD é impresso em 2 discos de vidro e 1 de metal. O CD é colocado entre esses discos, como um sanduíche, numa referência ao peso e textura desses materiais. Para não riscar a mídia, foi usado películas de espuma entre as peças, evitando o atrito entre elas.

Disco III – Power Synthetic – 1982/1889

Ah os anos 80… particularmente é a fase e o período que eu menos gosto. Mas sobre o disco, a banda estava em um período novo, um som novo, com o uso de sintetizadores. Tentei passar para a embalagem essa estética dos anos 80, o uso do plástico, da cor, dos materiais sintéticos. A capa é metade em papel e metade em borracha sintética. O encarte foi todo impresso em plástico transparente. O número “3” e a cor vermelha são referências às artes originais dos discos desta fase.

Disco IV – Eruption – 1989/2002

Na quarta fase, temos a volta da banda. Depois de um período bastante difícil, onde o trio quase chegou ao fim, os integrantes marcaram sua volta se sentindo um vulcão em erupção. O formato de “porca de parafuso” da embalagem é uma referência a arte de um importante disco dessa fase, que tem um parafuso e uma porca na capa. O encarte em papel, se desdobra formando uma estrutura piramidal que se assemelha a um vulcão. Os grafismos remetem a lava e fogo, presentes na arte da capa do último disco desta fase.

Disco IV – On Stage – 1976/2003

O quinto disco é uma coletânea de apresentações ao vivo, englobando todas as fases da banda. Como referência, optei por utilizar um pouco do material presente em todas as outras embalagens. A caixa em plástico transparente impresso é uma referencia ao disco III. O encarte em papel, com um formato que se abre, parecendo um palco central com estrutura ao redor,  é uma referência ao disco IV. O disco vem envolvido no encarte em papel, mas para não riscar a mídia, possui um fundo em tecido, como referência ao disco I. E para fechar o encarte, um parafuso real em metal, passa pelo furo do CD e do encarte prendendo a peça com uma porca, como referência ao disco IV.

Esse projeto foi um dos trabalhos que mais me deu orgulho em fazer. Foram várias semanas de pesquisa, muitos desenhos, busca por materiais e noites sem dormir para chegar no resultado final. Nessa época eu ainda não pensava em trabalhar com a colagem, mas já tinha um fascínio pela mistura de materiais. Com certeza esta experiência contribuiu muito para o que faço hoje e é por isso que eu guardo com tanto carinho esse projeto.

Em 2005 o Rush lançou o box R30, com o registro da turnê que comemorou os 30 anos de carreira da banda. É claro que eu não tenho nada a ver com isso, mas o meu projeto Rush 30 foi feito bem antes disso.

Todas as fotos são de 2013 e foram feitas pela minha eterna companheira de criação, Franciele Gasparini, quando visitou meu antigo estúdio.

Rush 30 – The Complete Compilation
2004

2 comentários sobre “Rush 30: 16 anos depois

  1. Esse trabalho é lindo, especial e tão sua cara. Impossível não reconhecer traços do seu trabalho, cuidado e prestígio em cada detalhe desse projeto. Parabéns! E guarde bem essa caixinha, porque ela já virou uma relíquia na sua coleção! 🙂

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